sábado, 12 de julho de 2008

Caminho de Santiago


¨Agradeço por mais um dia, por mais uma vida que começa¨


Eu era pequena e me lembro de ver mina mãe folhear com empenho alguns livros sobre o caminho de Santiago, na Espanha. A trilha, que pode chegar a mais de 800 quilômetros dependendo do ponto de partida escolhido, é feita por peregrinos de todo o mundo desde os primórdios do século XI. A caminhada já foi feito por muitos cristãos para cultuar as relíquias do apostolo Santiago. Mas nos dias de hoje, não é só esse grupo que realiza a peregrinação. Uma grande parte dos que se vê com a mochila e o cajado são de outras crenças, com o objetivo de uma reflexão interior, um renascimento que acontece gradativamente durante cada passo e cada pedra que se atravessa.
Muitos símbolos identificam aos peregrinos. Como o ramo da palma nos revela quem são aqueles que fizeram a peregrinação a Jerusalém, por exemplo, a concha de Santiago, ou verena, é um dos principais símbolos de renascimento dos que caminham pelas trilhas até seu ponto final, a capital da Galícia. Outra importante marca é a da cruz de Santiago, muitas vezes desenhada em cima das próprias conchas, que representa proteção para que os peregrinos cheguem a salvo á seu destino.
O interesse de minha mãe por esta peregrinação foi aumentando durante os anos, a ponto de fazê-la começar um disciplinado treino com botas especiais para andar os tantos quilômetros necessários. Mas a vida lhe reservava outros planos naquele momento, que fizeram com que ela deixasse esta viagem para seguir por outros caminhos.
Alguns anos depois com o tema já frio e distante era eu que vinha para estes lados. O ano de 2008 chegou e eu buscava paz e algo que me servisse como um divisor de águas, algum lugar onde eu pudesse me conectar comigo e com Deus. Foi ai que Santiago de Compostela voltou. Obviamente não tinha os cerca de 40 dias para caminhar tantos quilômetros, e acabei negociando minhas férias em cinco preciosas noites. Como acompanhante ninguém melhor que ela, minha amiga, minha cúmplice, minha mãe, que por ironia do destino também buscava algo que marcasse um novo período que começava em sua vida. Pegamos os últimos seis dias do caminho antes da chegada ao chamado Morro do Gozo, na entrada da cidade sagrada. Para encontrar as trilhas seguíamos as flechas amarelas sinalizadas com conchas esculpidas em pedras de séculos atrás. Era como um mapa do tesouro. Se seguia as indicações feitas por outros antigos peregrinos que levavam a nós e aos outros tantos aos lugares mais inimagináveis, a beira de paisagens, vistas, repletas de cheiros e de um silencio que só é cortado pelo barulho de grilos e pássaros que deslizam sobre o céu ou mesmo por nossos próprios passos.
Os peregrinos se cumprimentam pelas trilhas e se encontram no final do dia nas casas rurais ou em Albergues especiais, onde a maior parte das pessoas que realizam o caminho pernoitam. Ao acordar, um farto café da manhã com tudo de mais caseiro e simples. E, adiante a caminhar.
Cada povo inicia a trilha de acordo com sua história. Os portugueses começam a peregrinação na própria Lisboa. Os ingleses na cidade de Ferrol , na Galícia, já que conta a lenda que seus antepassados atravessavam o mar para chegar a Ferrol e, de ali, caminhavam a Santiago. Os espanhóis iniciam dos diferentes pontos de seu país, dependendo da sua região de origem ou com a qual se identificam. Os franceses também marcam seu ponto de inicio na própria França. Desde suas respectivas cidades começam a peregrinação, que se unifica na fronteira com a Espanha e segue unido até a cidade.
A chegada a Santiago de Compostela é feita pelo o Monte do Gozo, onde se avista toda a cidade, incluindo a Catedral principal. É nessa construção românica onde se encontra o túmulo do Apóstolo Santiago. Pelas manhas é feita uma missa em homenagem aos peregrinos e uma oração para que se cumpra os objetivos que os trouxeram até lá. Também é na praça central onde está simbolizada os quatro poderes da Galícia e de sua capital Santiago: A fé, representada pela igreja; o governo, que está justo em frente a Catedral; O parador dos Réis Católicos, um antigo dependência de peregrinos, onde hoje funciona um hotel, representando os visitantes de Santiago; e a Universidade, representando a educação, já que de seus 90 mil habitantes, 30 mil são estudantes universitários e de pós-graduação.
Para os peregrinos que chegavam de bicicleta, a cavalo, a pé ou mesmo de carro, a emoção parecia ser a mesma. No alto do Monte do Gozo todos se abraçam, tiram fotos, riem e choram. Cada viajante também vai até a pequena capela do morro para assim pegar o último carimbo de seu passaporte de peregrino e dirigir-se a Igreja, onde poderão receber seus certificados em forma de pergaminho.
Como disse Gabriel Garcia Márquez, "los seres no nacen para siempre el día en que sus madres los alumbran, sino que la vida los obliga otra vez y muchas veces a parirse a si mismo". E nesse dia minha mãe e eu renascemos, e dessa vez juntas.

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