domingo, 7 de setembro de 2008

Berlin 99


- Quase 10 anos depois e você continua deslumbrante.
Ouvir o sussurrar dessa língua pelas ruas. Sentir essa vibração hipnotizante que me acompanha desde menina foi como voltar ao colo de uma mãe, que ama e que ensina.
Cheguei em Berlim.
Lá, em uma idade que complicamos até mesmo o simples, eu e ela construímos e destruímos todos os ideais sociais e políticos de uma jovem curiosa.

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Berlim é silencio. Parece que estamos dentro de um filme mudo. Todo o barulho fica pra trás e você alcança de novo o poder de escutar os pneus deslizando sobre o asfalto, os suspiros, as moedas nos bolsos alheios, a vida que acontece.
E por sensações como estas que a expressão de Berlim se torna completamente visual. Ela nos mostra todo um colorido e nos convida a nos disfarçar do que quisermos para viver um de nossos inúmeros personagens. E nada nem ninguém se sente no direito de nos lançar um olhar reprovador, afinal, cada um, cada um, e tudo é válido.
Antes da queda do muro, poucas pessoas se atreviam a continuar na parte ocidental da cidade já que esta era como uma ilha em meio ao comunismo. Os alemães migravam para outras regiões do país e a capital, que também era um ponto estratégico para os capitalistas, se encontrou ameaçada pela falta de população. Foi quando a Alemanha resolveu dar grandes incentivos para quem quisesse viver ali, um incentivo que se transformou em vida fácil e um grande laboratório para artistas de todas as áreas. O governo lhes sustentava e toda essa massa criativa se dedicava quase exclusivamente a aperfeiçoar seus dotes. Não é a toa que atualmente Berlim é considerada a principal capital cultural da Europa.
Até hoje as diferenças entre o que um dia foi Berlim ocidental e oriental são muito claras. A parte oriental possui inúmeros prédios onde se nota a presença da chamada ¨arquitetura comunista¨, com grandes áreas comuns, onde seus moradores desfrutavam de partes amplias que eram compartidas entre a comunidade. Hoje, esses prédios mais antigos e mais degradados possuem um preço mais acessível aos jovens que se iniciam na vida independente.
Por toda Berlim reina uma vida completamente urbana. E com isso não poderiam faltar os graffitis. Grupos de todas as partes do mundo já fizeram sua história entre as paredes coloridas da capital alemã, feita para todos os olhos, distribuídos por cada canto das ruas, que salta aos nossos sentidos. Entre os nomes e nomes pichados nas paredes, muitos desenhos contam como viveram os que participaram da dura história da cidade.

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Acho que o povo alemão é um povo consciente. Consciente sobre as fraquezas humanas. E sem dúvida, uma delas é o esquecimento. O ser humano é esquecido por natureza. Depois de algum tempo nos esquecemos do mal que causamos, do que fizemos e do não fizemos. Esquecemos e voltamos a repetir os mesmos erros e causar novamente as mesmas dores. Um cachorro que core atrás do rabo e não percebe que gira e não sai do lugar.
Em nenhum lugar da cidade os alemães deixaram de lembrar todo o rastro cruel que o nazismo deixou. Em cada canto uma homenagem e as eternas desculpas aos judeus, homossexuais, ciganos e a todas as outras minorias cruelmente assassinadas naqueles tempos. Claro, o perdão não trás de volta a vida que perderam tantos e os traumas que carregam os que por algum motivo conseguiram escapar. Mas reconhecer e tentar mudar uma atitude é o primeiro passo para o renascimento de uma raça, crença e de cada pessoa. E isso também merece um reconhecimento. O povo alemão possui uma responsabilidade com o passado que não deixa a barbaridade ser esquecida pelo seu povo. Ela não pode ser esquecida como tantas outras insanidades feitas por nós, ela precisa ser lembrada para que nunca e em tempo algum algo assim possa voltar a acontecer.
Me pergunto quando será que vamos começar a nos desculpar por todo o preconceito, mortes e humilhação que fizemos passar os negros e os índios. Ou quando será que a China finalmente contará ao mundo toda a repressão que passa seu povo nos dias de hoje. Reconhecer é difícil e acredito que ter a coragem para confessar de peito aberto ao mundo que erramos é um mérito de poucos.

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Fechei os olhos, nevava. No quarto só brilhava aquela luminária colorida, presente de um amigo.
- E agora Berlim, que faço com tudo isso?
Conta para eles. É o feitiço que vai com você. Aqui estão as armas para você virar o espelho de tudo que quiser.

Um comentário:

disse...

ela é linda, é amor, é uma tiazona rouca e alegre, que nao esconde as marcas e tem muita historia pra contar. Ela é ninguem e é todo mundo. Ela é liberdade de se ser, sem ter que gritar.
que bom que vc gostou dela. Ela me disse baixinho que adorou a sua visita e que já sente sua falta